sábado, 27 de outubro de 2018

A Flor e a Náusea | The Flower and the Nausea

Carlos Drummond de Andrade | Robert de Brose

1 Preso à minha classe e a algumas roupas,
    vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

5 Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
10 fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

15 Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
20 Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
25 Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
30 Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
35 Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

40 Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
45 e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

1 Stuck to my class and some clothes,
    dressed in white I go through the gray street.
Melancholies, commodities spy on me.
Shall I go on until I get sick?
Can I, without weapons, revolt?

5 Dirty eyes on the spire clock:
No, time’s not yet come of full justice.
Time is still of feces, bad poems, hallucinations and waiting.
The poor time, the poor poet
10 fuse into the same impasse.

In vain I try to explain myself, the walls are deaf.
Under the skin, there are ciphers, codes.
The sun gives solace to the sick and renew them not.
Things. How sad are things considered without emphasis.

15 To throw up this boredom over the city.
Fourty years and no problem
solved, not even put.
No letter written or received.
All men come back home.
20 They are less free, but carry newspapers
and spell the world, knowing they lose it.

Crimes of the land, how to forgive them?
I took part in a lot, others I hid.
Some I found beautiful, were published.
25 Soft crimes that help to live.
Daily ration of errors, shared at home.
The ferocious bakers of evil.
The ferocious milkmen of evil.

To set everything on fire, including me.
30 The 1918 boy they called an anarchist.
But my hate is the best part of me.
Through it I save myself
and give a few a shred of hope.

A flower was born on the street!
35 Tramcars, stay clear, buses, steel river of traffic.
A flower still wan
tricks the police, has broken through the asphalt.
Let all be still, let transactions cease,
I guarantee a flower was born.

40 Its color, imperceptible.
Its petals, they do no open.
Its name, it is not in the books.
It is ugly. But it is indeed a flower.

I sit on the ground in my country’s capital, five o’clock in the afternoon,
45 and slowly move my hand over this insecure form.
Over the mountains, thick clouds gather.
Little white dots move on the sea, startled chickens.
It’s ugly. But it’s a flower. It bore through the asphalt, the boredom,
    [the disgust, and the hatred.


FONTE: Antologia Poética – 12a edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, p. 14-16.

sábado, 6 de outubro de 2018

नासदीय सूक्तः | Nāsadīya Sūkta | Hino da Criação (Ṛgveda 10.129)

anônimo | Robert de Brose

नासदासीन नो सदासीत तदानीं
नासीद रजो नो वयोमापरो यत |
किमावरीवः कुह कस्य शर्मन्न्
आम्भः किमासीद गहनं गभीरम ||

न मर्त्युरासीदम्र्तं न तर्हि
न रात्र्या अह्न आसीत्प्रकेतः |
आनीदवातं सवधया तदेकं
तस्माद्धान्यन न परः किं चनास ||

तम आसीत तमसा गूळमग्रे
ऽप्रकेतं सलिलं सर्वमा इदम |
तुछ्येनाभ्वपिहितं यदासीत
तपसस्तन्महिनाजायतैकम ||

कामस्तदग्रे समवर्तताधि
मनसो रेतः परथमं यदासीत |
सतो बन्धुमसति निरविन्दन
हर्दि परतीष्याकवयो मनीषा ||

तिरश्चीनो विततो रश्मिरेषाम्
अधः सविदासी३ दुपरि स्विदासी३त् |
रेतोधाासन महिमान आसन
सवधा अवस्तात परयतिः परस्तात ||

को अद्धा वेद क इह पर वोचत
कुत आजाता कुत इयंविस्र्ष्टिः |
अर्वाग देवा अस्य विसर्जनेना-
था को वेद यताबभूव ||

इयं विस्र्ष्टिर्यत आबभूव
यदि वा दधे यदि वा न |
यो अस्याध्यक्षः परमे वयोमन
सो अङग वेद यदि वा नवेद ||

nāsadāsīn no sadāsīt tadānīṃ
nāsīd rajo no vyomāparo yat |
kimāvarīvaḥ kuha kasya śarmanna
ambhaḥ kimāsīd ghahanaṃ ghabhīram ||

na mṛtyurāsīdamṛtaṃ na tarhi
na rātryā ahna āsītpraketaḥ |
ānīdavātaṃ svadhayā tadekaṃ
tasmāddhānyan na paraḥ kiṃ canāsa ||

tama āsīt tamasā ghūḷamaghre
’praketaṃ salilaṃ sarvamāidam |
tuchyenābhvapihitaṃ yadāsīt
tapasastanmahinājāyataikam ||

kāmastadaghre samavartatādhi
manaso retaḥ prathamaṃ yadāsīt |
sato bandhumasati niravindan
hṛdi pratīṣyākavayo manīṣā ||

tiraścīno vitato raśmireṣām
adhaḥ svidāsī3duparisvidāsī3t |
retodhāāsan mahimāna āsan
svadhā avastāt prayatiḥ parastāt ||

ko addhā veda ka iha pra vocat
kuta ājātā kuta iyaṃvisṛṣṭiḥ |
arvāgh devā asya visarjanena-
athā ko veda yataābabhūva ||

iyaṃ visṛṣṭiryata ābabhūva
yadi vā dadhe yadi vā na |
yo asyādhyakṣaḥ parame vyoman
so aṅgha veda yadi vā naveda ||

O existente não havia, nem o inexistente, então.
Não havia um dossel, nem este céu além.
O que encobria? Onde? Sob que proteção?
Água, havia? profunda profundeza?

Não havia a Morte, nem imortalidade ainda;
nem da noite, nem do dia, os luminares.
Respirou sem ar e por si mesmo o Um;
Outro que este nem além deste, nada havia.

Escuridão envolta em escuridão no início,
imanifesta, inundante, por todo o espaço.
Envolto em nada, O Que Vem do Nada havia;
pela magia do calor fez-se nascer o Um.

O desejo no princípio surgiu a partir
da mente, a prima semente que existiu.
O elo entre o existente e o inexistente acharam
no coração poetas buscando sábia-mente.

Uma réstia estenderam horizontalmente.
Será que havia acima...? havia abaixo...?
houve inseminadores e fecúndia houve,
poderio acima, oferecimento abaixo.

Quem irá saber? Quem aqui pode dizer?
de onde nasceu? de onde esta criação?
Depois da expansão vieram os deuses,
então quem poderá saber donde ela surgiu?

Essa criação e de onde ela surgiu
se ele a incentivou ou se ele não
ele que disto cuida no mais alto céu,
ele sim sabe, ou se ele não sabe...

FONTE: Ṛgveda, Mandala 10, Hino 129 – Sacred Texts

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Eldorado | Eldorado

Edgar Allan Poe | Robert de Brose


Gaily bedight,
A gallant knight,
In sunshine and in shadow,
Had journeyed long,
5 Singing a song,
In search of Eldorado.

But he grew old—
This knight so bold—
And o’er his heart a shadow—
10 Fell as he found
No spot of ground
That looked like Eldorado.

And, as his strength
Failed him at length,
15 He met a pilgrim shadow—
‘Shadow,’ said he,
‘Where can it be—
This land of Eldorado?’

‘Over the Mountains
20 Of the Moon,
Down the Valley of the Shadow,  
Ride, boldly ride,’
The shade replied,—
‘If you seek for Eldorado!’

Belo e faceiro
um gentil cavaleiro
Sob o sol e pela sombra
Viajara tanto
5 Cantando um canto
Em busca de Eldorado.

Mas a idade chegou—
e o jovem cansou—
E seu coração uma sombra—
10 fria cobriu,
pois nunca viu
nem rastro de Eldorado.

E quando perdeu
o ânimo seu,
15 Errante Sombra cruzou—
'Sombra', ele disse,
'Onde é que existe—
Esse tal de Eldorado?'

'Sobre as Montanhas
20 no alto da Lua,
Da Sombra, no Vale abaixo,
'Ronda, altivo ronda'
disse-lhe a Sombra,—
'Se buscas por Eldorado!'

clip_image002

Albrecht Dürer, Knight, Death and the Devil, 1513, engraving, 24.5 x 19.1 cm.


FONTE: The Complete Poems and Stories of Edgar Allan Poe (1946) - Poetry Foundation.

EDIÇÕES:

5 Outubro 2018: v. 15 “cruzou” [o achou]