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domingo, 30 de dezembro de 2018

Correspondances | Correspondências

Charles Baudelaire | Robert de Brose

Correspondances

La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l'observent avec des regards familiers.

5 Comme de longs échos qui de loin se confondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
Vaste comme la nuit et comme la clarté,
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent.

II est des parfums frais comme des chairs d'enfants,
10 Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
— Et d'autres, corrompus, riches et triomphants,

Ayant l'expansion des choses infinies,
Comme l'ambre, le musc, le benjoin et l'encens,
Qui chantent les transports de l'esprit et des sens.

Correspondências

A natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam por vezes escapar confusas palavras;
O homem aí passa numa floresta de charadas
Que o observam com semblantes familiares.

5 Como longos ecos que de longe se confundem
Em uma tenebrosa e profunda unidade,
Vasta como a noite e como a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se aludem.

Há perfumes frescos como a carne de infantes
10 Verdes como os campos, doces como as madeiras,
— E outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

Possuidores d’amplidão das coisas verdadeiras,
Como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,
Que cantam o enlevo do espírito e do senso.


Fonte: Les Fleurs du Mal. Classiques Françaises. Bookking International: Paris, 1993.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Au Lecteur | Ao Leitor

Charles Baudelaire | Robert de Brose

Au Lecteur

1 La sottise, l'erreur, le péché, la lésine,
Occupent nos esprits et travaillent nos corps,
Et nous alimentons nos aimables remords,
Comme les mendiants nourrissent leur vermine.

5 Nos péchés sont têtus, nos repentirs sont lâches;
Nous nous faisons payer grassement nos aveux,
Et nous rentrons gaiement dans le chemin bourbeux,
Croyant par de vils pleurs laver toutes nos taches.

Sur l'oreiller du mal c'est Satan Trismégiste
10 Qui berce longuement notre esprit enchanté,
Et le riche métal de notre volonté
Est tout vaporisé par ce savant chimiste.

C'est le Diable qui tient les fils qui nous remuent!
Aux objets répugnants nous trouvons des appas;
15 Chaque jour vers l'Enfer nous descendons d'un pas,
Sans horreur, à travers des ténèbres qui puent.

Ainsi qu'un débauché pauvre qui baise et mange
Le sein martyrisé d'une antique catin,
Nous volons au passage un plaisir clandestin
20 Que nous pressons bien fort comme une vieille orange.

Serré, fourmillant, comme un million d'helminthes,
Dans nos cerveaux ribote un peuple de Démons,
Et, quand nous respirons, la Mort dans nos poumons
Descend, fleuve invisible, avec de sourdes plaintes.

25 Si le viol, le poison, le poignard, l'incendie,
N'ont pas encor brodé de leurs plaisants dessins
Le canevas banal de nos piteux destins,
C'est que notre âme, hélas! n'est pas assez hardie.

Mais parmi les chacals, les panthères, les lices,
30 Les singes, les scorpions, les vautours, les serpents,
Les monstres glapissants, hurlants, grognants, rampants,
Dans la ménagerie infâme de nos vices,

II en est un plus laid, plus méchant, plus immonde!
Quoiqu'il ne pousse ni grands gestes ni grands cris,
35 Il ferait volontiers de la terre un débris
Et dans un bâillement avalerait le monde;

C'est l'Ennui! L'oeil chargé d'un pleur involontaire,
II rêve d'échafauds en fumant son houka.
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,
40 — Hypocrite lecteur, — mon semblable, — mon frère!

Ao Leitor

A avareza, o erro, o pecado, a leseira
infestam noss’alma e castigam os corpos,
e alimentamos nossos diletos remorsos,
como os mendigos nutrem suas bicheiras.

Tenazes, os pecados; o arrependimento, infirme,
gorda recompensa nos damos por contrição,
e felizes adentramos o enlameado chão,
crendo um vil pranto lavar nossos crimes.

No recosto do mal, eis Satã Trismesgisto
Que embala longamente noss’ alma encantada
E o rico metal de nossa vontade a um nada
reduz o sábio alquimista com seu flogisto.

É o Diabo que puxa os cordões que nos regem!
Nas coisas repugnantes encontramos repastos
E assim cada dia ao Inferno descemos um passo,
Sem horror, e através das trevas que fedem.

Como um pobre canalha que beija e morde
O seio martirizado de uma anciã vagabunda,
Furtamos de quebra uma satisfação imunda
que, como seca laranja, esprememos tão forte.

Denso, fervilhante, como um milhão de helmintos
nossa cabeça revolve num enxame de Demônios
e, ao respirarmos, a Morte, como um mecônio,
rio invisível, inunda o peito dum choro indistinto.

Se o estupro, o veneno, o punhal, e as chamas,
não bordaram ainda com desenhos tão finos
toda a tela medíocre de nossos destinos,
é porque, oh!, nossa alma não é tão sacana.

Mas dentre os chacais, as hienas e as panteras,
Os macacos, escorpiões, abutres, serpentes,
e os monstros ululantes, rastejantes, frementes,
na mistura infame de nossos vícios e mazelas,

Há um que é o mais feio, enganoso, mais imundo!
Mesmo não fazendo grandes gestos ou gritos,
De bom grado, deixará a terra toda em detritos
E num grande bocejo engolirá o mundo;

É o Enfado! O olho inchado de pura lassidão
Ele sonha com patíbulos fumando seu baseado
Tu o conheces, leitor, esse monstro delicado,
— Leitor fingidor, — meu igual, — meu irmão!

Félicien Rops, Le Songe  (1878-80)


Fonte: Les Fleurs du Mal. Classiques Français. Bookking Internacional: Paris, 1993.


Notas:

1. Primeira versão da tradução: 21 de novembro de 2018.

2. v. 2: influem nos nossos [e castigam os] |  nossa alma [noss’alma]

3. C'est l'Ennui! | É o Enfado!: “Enfado”, além de manter o mesmo padrão acentual do francês, reproduz mimeticamente o suspiro de uma pessoa enfadada com o contorno rítmico f:Ff (cf. “Que saco!” – também f:Ff, ou seja,  inspira/pausa/expira com força); os dois pontos em f:Ff representam um breve alongamento da sílaba terminada em líquida-nasal. A tradução por “Tédio” destruiria, nesse caso, a figura sonora.

4. L'oeil chargé d'un pleur involontaire | O olho inchado de pura lassidão: claramente o olho lacrimeja em virtude da fumaça do houka, que devemos imaginar envolvendo o Enfado. Não consegui chegar (ainda) a uma solução que preserve a imagem, mas fiquei satisfeito com a imagem de que o Enfado, fumando ópio, deve ter os olhos lassos e distantes.

5. son houka | seu baseado: O houka é o que chamaríamos de “narguile”/ “arguile” ou “narguilé”. Desnecessário dizer da dificuldade da rima. Ela não é importante, no entanto, e, além disso, a modernização e o aculturamento dado por “baseado” me pareceu atrativa.

6. Hypocrite lecteur | Leitor fingidor: Um aceno a Fernando Pessoa: não apenas o poeta é um fingidor; o leitor, também por viver vicariamente a real fantasia do poeta, é tão fingidor quanto aquele.